A mulher da equação indeterminada

Joana era o majorativo de Joaninha, o nome pelo qual era conhecida no museu onde trabalhava. Joaninha, uma jovem rapariga de cabelo sedosamente liso que geralmente se vestia com cores que condiziam com a sua vivacidade e alegria diários, morava num corpo alto e muito bem constituído. No seu rosto, os profundos olhos que emprestam a sua cor às avelãs salientavam-se abraçando o fino nariz que terminava perto dos seus lábios.

A jovem rapariga fazia o restauro e a conservação das peças mais valiosas do espólio do museu onde se encontrava, contando também com uma extensa experiência em renomeados museus estrangeiros, o que a tornava uma jovem profissionalmente muito desejada por diversas instituições. Já lhe tinham sido oferecidas propostas muito atraentes a nível de gestão, as quais ela, com a sua astúcia e cortesia, gentilmente recusava, deixando a porta entreaberta uma vez que, o que ela gostava mesmo era do contacto diário com peças históricas cobiçadas por muitos e apreciadas por tantos outros.

Esta sua paixão pelo património histórico da humanidade, advinha do interesse e de um profundo desejo de experienciar a vida dos antepassados o qual ela sentia que, de certa forma vivenciava diariamente no seu trabalho.

No entanto, apesar do seu fascínio pela História e do seu prestígio internacional, Joaninha sentia-se muitas vezes insegura. Por um lado porque ansiava muito pelo presente mas sentia-se muito atraída pelo passado, por outro porque apesar de se sentir tão atraída pelo passado gostava imenso de escrever.

Havia também uma figura que Joaninha sentia que estava a aproximar cada vez mais de si, um homem para partilhar o seu amor, a sua alegria, os seus sorrisos, no fundo a sua vida.

Há muito que a presença masculina na sua vida limitava-se apenas a reputados investigadores, historiadores, directores de museus, abastados coleccionadores de arte ou responsáveis governamentais. Apesar de ela apreciar muito este tipo de contacto, eram contactos muito superficiais, que apenas aprofundavam o seu desenvolvimento profissional.

O seu pai, um humilde senhor da província, já há muito tempo que a tinha deixado. Satisfeito no entanto pelo sucesso da sua prole e por todas as alegrias que partilhava com a sua amada mulher e com toda a família, uma vez que o irmão de Joana era um financeiro muito respeitado no Médio Oriente e havia uma estabilidade familiar muito grande.

Apesar da ligação familiar e do sucesso que Joaninha e o seu irmão, Ângelo partilhavam e da forte ligação que estabeleceram quando cresceram, a ida de Ângelo para os Emirados tinha enfraquecido a sua relação mas Joaninha, que recentemente tinha tomado consciência de todos os buracos que faziam parte do seu caminho, estava prestes a dar uma volta na sua vida…

tudo começou quando

Foi num daqueles dias de Outono que amanhecem solarengos, e à medida que as horas avançam se vão entristecendo e acizentando, e lembro-me como se fosse hoje. Presta atenção ao que te vou contar.

O sábado amanheceu com sol, e sem núvens no azul celeste. Parecia um Verão de São Martinho, sabes? A aquela altura do ano associam-se árvores a despir e pessoas a vestir, e não dias como aquele. Segui com o olhar um pássaro solitário que passou à minha frente, a voar sobre o rio, para a outra margem. Um voo alegre como aquele só podia ser de uma andorinha, pensei. Ou um pombo, e levar a minha mensagem secreta, a pequena nota que te escrevi. Eh. Não me ligues, estou a distrair-me. Deixa-me continuar.

O dia parecia não poder ser pior para o que queria fazer, lindo e brilhante. Atravessei a ponte a pé, o chão ainda molhado da chuva da véspera, o ar limpo e agradável de respirar, e fui para o café onde nos tínhamos combinado encontrar, para mais um café e pequeno-almoço a ler o jornal da manhã.

Nesse dia levava-te uma despedida como surpresa.

Estava cansado, estava triste com o fosso entre nós no teu olhar, desanimado com ter de escalar os muros do teu castelo, como se todos os dias tivesse de reconquistar o mesmo pequeno pedaço de terra, todos os dias o mesmo ritual e a mesma batalha.

Ia dizer-te adeus, sabes? a nota que escrevera tinha tudo o que te queria dizer, o que esperava conseguir dizer-te, o que esperava ter decorado palavra-por-palavra, e que tinha de sair de mim num só fôlego.

Porque nunca te disse? Não sei. Depois do que aconteceu, deixou tudo de fazer sentido.

Fui o primeiro a chegar, como era costume, e pedi o mesmo de sempre, enquanto olhava para as pessoas e esperava por ti e pelo teu olhar perdido ensonado dos sábados de manhã. Vi-te dobrar a esquina e vir em direcção a mim ao mesmo tempo que a música que começava a tocar na rádio me envolveu, e à medida que te aproximavas, como numa bolha de sabão, tudo lá fora deixou de importar. Vi o teu cabelo de quem acabara de se levantar, o teu andar decidido e preguiçoso, e o teu sorriso como nunca vi outro a nascer. Amachuquei a nota de papel que tinha no bolso, e sorri-te de volta.

Sim, claro que me lembro da música. Queres ouvir, imagino… Mas o importante é que há alturas, meu amor, em que é preciso arriscar. Por vezes o destino sorri.

Como fez connosco.

Palavras do Desafio:
Encarnado; água; caixa; lágrima; olhar; vento: velocidade; castelo; força; mágoa

História Infantil - A Coelha Grávida
A Coelha-Grávida* atravessou a toda a velociade a horta da Dona Clara-Bebe-Chá. Tinha pressa para chegar ao castelo e nem parou para o habitual chá das cinco. Sentia-se feliz como nunca e estava ansiosa por dar a notícia ao Coelho-Amor.
Chegada ao Castelo, subiu aos seus aposentos para tomar um duche e colocar o vestido encarnado de seda e assimétrico.
De banho tomado e sentada em frente ao toucador, abriu a caixa dos colares e escolheu o mais especial de todos, um fiozinho de prata com uma lágrima dentro de uma garrafinha de cristal. A mãe da Coelha-Grávida tinha ido fazer uma longa viagem pelo Mundo mas antes de partir deu-lhe aquele colar de presente e segurando-lhe na pata disse:
- Esta é uma jóia de familia que tem passado de geração em geração, já foi da tua tetra-avó, depois da tua bisavó em seguida da tua avó e agora que é meu, é a minha vez de te passar o testemunho. Este colar é mágico, e deve ser usado em acontecimentos felizes, uma vez que esta lágrima não é uma lágrima de mágoa mas sim uma lágrima de felicidade. São os momentos de pura felicidade de quem usa o colar que a impedem de secar ou evaporar. Assim, minha filhota, cabe-te a ti ir alimentando esta lágrima, para que um dia possas tu também dar este colar a uma filha tua.
Num último olhar ao espelho, a coelha-grávida tocou uma vez mais o colar, colocou o baton encarnado, sorriu e sacudindo as orelhas sentiu-se pronta para descer até ao salão.
No salão encontrava-se o Coelho-Amor que passeava de mãos atrás das costas entre as portadas e a lareira. Lá fora, o vento fazia abanar com força as árvores do jardim e assobiava uma melodia que adivinhava tempestade.
Distraído nos seus pensamentos surpreendeu-se com o abraço da Coelha-Grávida:
- Ah!Estás linda, coelha da minha vida!
- Obrigado – respondeu a Coelha-Grávida corando ligeiramente.
- A que se deve este jantar especial? – indagou o Coelho-Amor.
A Coelha-Grávida num sorriso iluminado anunciou:
- Nunca me senti tão feliz! Coelho-Amor, vais ser papá!
O Coelho-Amor que já estava sorridente, pestanejou duas vezes e disse:
- Por favor repete.
- Vais ser papá! – repetiu a Coelha-Grávida lentamente.
- Mas isso é fantástico!
O Coelho–Amor não se conteve e depois de abraçar a Coelha-Grávida desatou aos pulos pelo salão e chamou todos os que trabalhavam no castelo e anunciou:
- Vamos ser pais! O príncipe vai nascer!
A Coelha-Grávida tossicou e com um piscar de olho acrescentou:
- São gémeos, vão ser um príncipe e uma princesa.
- És a Coelha-Grávida mais linda de todo o reino – e beijou-a ternamente.

* - O nome do personagem foi inspirado no desenho A Coelha Grávida de Paula Rego