Cidália

O contador corria desenfreadamente em busca do infinito, era surpreendente uma vez que, nem os humanos, que por isso procuram, mexiam um dedo. Os números passavam, sempre a crescer mas o som, dos números a crescer, mantinha-se o mesmo, sempre na mesma cadência, tristemente na mesma melodia. Apesar da factura estar a crescer, de forma uniforme, o que mais perturbava era a incessante torrente de água que corria nos canos ansiando pelo ar que permeava na banheira de Cidália.

Junto à banheira, as lágrimas já enrugavam a face da jovem moça, e o som dos seus soluços competia com a alegria da água que constantemente, preenchia a banheira. Ao contrário das lapas, que durante a maré vazia não estão sujeitas à humidade da água, os olhos de Cidália pareciam leguminosas que tinham sido demolhadas e dessa forma esquecidas. No seu rosto os rios de lágrimas estavam a deixar as marcas, pois elas já sabiam o seu caminho preferido e deixavam-se ir pelo caminho outrora traçado.

Passaram-se longos dias e a força que alimentava esta tristeza não se consumia, não se esgotava, e nem a água cessava de chegar à banheira. Aí, onde a água da rede pública se juntava aos afluentes que largavam o semblante de Cidália, jazia o corpo de Bruno que permanecia impávido aos soluços do seu amor e à força de água. Bruno já não respirava há dias, a sua energia tinha partido. Mas na jovem Cidália, toda a sua energia era triste, para ela, nada mais havia.

Lembrava-se constantemente das alegrias, das gargalhadas, das tristezas, dos medos e ansiedades, e gostava de tudo isso, queria tudo isso outra vez. Sentia que era demasiado nova, para ficar sujeita a esta amargura e Bruno, Bruno era tudo, mesmo tudo.

Afogar para ela, não seria difícil, ou pelo menos era assim que pensava. De facto era dos poucos pensamentos que lhe surgiam na mente, capacidade que, algumas pessoas que querem tomar controlo da sua mente gostavam de ter de forma permanente. Mas não, Cidália estava completamente descontrolada, a sua vivacidade estava a ser consumida e ela não queria ter nenhum controlo.

Nessa tarde, depois de o céu estar tantos dias encoberto, o Sol voltou a raiar, e, a pouco e pouco começou a aquecer o coração da Cidália, a nutrir lentamente o seu organismo. Preso pelas leis da física e limitado pelas leis da natureza, o Sol livre como é, resolveu abraçar e aliar-se à água que preenchia os lavabos da casa de Cidália e de Bruno, um brilhante e colorido prisma da cor do arco-íris, preencheu os azulejos e levou as lágrimas de Cidália.

Agora que Cidália, se sentia acompanhada novamente, já sabia o que fazer. Bruno já tinha sido mais do que lavado pela doçura das suas lágrimas, era tempo de o deixar partir da sua mente, afinal, em todo o seu coração, Cidália, sentia que, o que Bruno queria não era ficar com ela para sempre, mas sim que ela para sempre fosse feliz.

A maldição

Os cristais formavam-se, formando gotas substanciais que se desprendiam da minha face, os meus olhos avermelhavam-se como uma fogueira acabada de se incendiar. Eu já não podia mais, aguentar esta angústia que me atormentava, de dia e de noite, queria saber o que tinha acontecido à Manuela e ao seu companheiro. Quando olhava para as estrelas lembrava-me do sorriso e da alegria que me dava em ler aquelas palavras que traziam gargalhadas ao meu dia, mas, quando olhava para os anúncios das bruxas que o senhor alegremente distribuía à saída do metro, o meu coração inflamava, a ira tomava posse de mim, e considerava seriamente se não haveria de ir à bola de cristal, saber onde estava a Manuela. Mas não, não podia fazer isso, eu sabia que tinha de me acalmar, não podia ferver ainda mais.

Um dia, pensei em ir às cartas, jogar póquer e fazer algum dinheiro. Do pensamento saiu a acção e pus-me a andar em direcção ao casino que brilhava como um pirilampo no canto do meu olhar. Prestes a lá chegar interpelou-me um transeunte:

- Pára - disse-me ele - chegou a tua hora, tens de agir, a Manuela não pode ficar presa numa qualquer caixa de correio electrónico. A Manuela tem o potencial de figurar ao lado do Caim, do Símbolo Perdido.
- Perdido? - pensei eu - perdido está o moço no seu cabelo comprido que já nem sabe por onde ir. Será que esteve a comer esparguete.
- A sério, como achas que eu sei, que a Manuela não te larga os pensamentos?
- Pois tens razão, de facto tu até tens um ar sapiente. Mas diz-me que sugeres que eu faça?
- Traz-me duas folhas, de papel uma caneta e vamos ali para o meu vulcão, eles nem sabem a alegria que os espera!