Houve um tempo em que a minha janela se abria …

Houve um tempo em que a minha janela se abria … para um sonho de pescador. Pela manhã, muito cedo, entrava com a aurora uma brisa fresca de sal e na neblina dançavam os primeiros raios de sol.

Quando o clima o permitia, pegava por vezes no óculo de longo alcance, oníricamente atávico, e dirigia o olhar para a linha do horizonte. Via baleias aproximarem-se com esguichos esfuziantes, passando ao largo em parada de saudação, as largas barbatanas acenando e mergulhos circenses precedendo o consolo da reentrada no abismo uterino.

Logo abaixo da janela que se abria nestes encantos, os peixes ziguezagueavam, cristalinos, em todas as direcções e embora os motivos me parecessem a princípio desconhecidos, lembrava-me depois do teu nome, quando via as letras douradas semi-submersas na dança dos cardumes.

Às vezes, lá muito em baixo, junto ao molhe, passeavam os vizinhos ao pôr-do-sol, ela feita de areia dourada, viva de olhos da cor das águas, ele barbudo e ensimesmado, negro de sal e de sol, com o braço na cintura dela, sirénica.

Às vezes o sonho resvalava para um negrume baço e o vento tacteava os vidros procurando avisar-me do mar revolto das noites d’insónia.

Charles Sometree

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