A paixão

Estava apaixonado. Assim, sem mais nem menos. O amor tinha-o agarrado pelos colarinhos, sem pedir permissão, e fazia dele o que queria.
Se ao menos as circunstâncias fossem menos complicadas. Mas não. Se tinha de lutar, que assim fosse. Se tinha de fugir, pois bem, venha de lá essa fuga.
Ao pé do quiosque cinzento, por debaixo de uma árvore decrépita, por debaixo de um céu opressor, ele esperava. Ela tinha de vir. Simplesmente tinha.
Enquanto esperava, pensava nas noites excitantes e assustadoras que tinham passado juntos, num grau de intimidade destilado à exaustão, duas almas nuas e sem segredos que se orbitavam incessantemente.
Ela tinha de vir. Um táxi parou e uma mulher apeou-se. Não era ela.
Voltou a olhar para o relógio. Onde poderia estar?
Uma flor escarlate de sangue surgiu no centro da sua testa e um buraco gémeo materializou-se na nuca. Caiu no passeio frio, sem perceber o que aconteceu. Ela nunca viria.
Mas o marido tinha acabado de chegar e guardava a arma fumegante no bolso do sobretudo, enquanto os gritos nasciam um pouco por todo o lado.

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